sexta-feira, 2 de setembro de 2011

POR QUE OS PROFESSORES UNIVESITÁRIOS “SOFREM” TANTO?



Por:

Climério Avelino de Figueredo

Professor de Homeopatia, Fitoterapia e Acupuntura

Departamento de Fisiologia e Patologia/CCS/UFPB

climerioaf@bol.com.br

O informativo Nº 01, julho/2011, do Sindicato ANDES Nacional, traz estampada em sua capa a seguinte manchete: “Produtivismo acadêmico provoca adoecimento docente”. A matéria central que remete à manchete citada, intitulada “Reestruturação produtiva chega às universidades e provoca adoecimento docente”, em linhas gerais, afirma que nos últimos 20 ou 25 anos, o professor universitário passou a ser cobrado para que desenvolva uma série de atividades, com imposição de metas e com prazos rígidos, o que, na linguagem de setores do movimento docente, caracterizaria o produtivismo acadêmico, algo que estaria na lógica do setor privado e do neoliberalismo.

Como conseqüência desta cobrança por produção e por prazos, estaria havendo a precarização do trabalho docente e isto estaria levando ao adoecimento dos professores. Para provar esta afirmação, a matéria se reporta a pesquisas que mostram este adoecimento, comprovando o quanto o professor universitário estaria sofrendo. Uma das pesquisas, coordenada pela professora Cristina Borsoi, da UFES, traz informações interessantes. De acordo com ela, 81,3 % dos docentes entrevistados procuraram atendimento médico nos últimos dois anos. A seguir, o texto mostra os percentuais de professores acometidos por diversos problemas de saúde, entre os quais estão aqueles ligados à atividade sexual que atingem 41, 1% dos professores homens e os psicoemocionais que atingem 36% dos docentes.

Um pouco atrás, a mesma matéria destaca a opinião do professor Antônio Bosi, da Universidade Federal do Oeste do Paraná sobre a questão, resumida na frase: “Antes, nós éramos pagos para pensar. Agora, somos pagos para produzir”.

A leitura apressada da matéria e o desconhecimento do dia a dia do trabalho docente nas universidades federais brasileiras nos induzem a pensar que os docentes estão sendo submetidos a uma extenuante carga de trabalho, a uma grande pressão psicológica e a precárias condições de trabalho. Em suma, um grande sofrimento!

Na realidade, estas suposições não se sustentam diante de uma análise mais cuidadosa, isenta da miopia ideológica, do embaçamento corporativista e da priorização dos interesses particulares sobre os interesses coletivos.

Vejamos, então. Com relação aos espaços físicos e aos equipamentos utilizados no trabalho docente, o que vemos é uma melhoria substancial. As antigas salas grandes, com duras cadeiras de madeira, sem refrigeração ou com ventiladores barulhentos, paulatinamente estão sendo substituídas por salas menores, com refrigeração, com cadeiras acolchoadas.

O quadro-negro, o giz, o retroprojetor, o projetor de slides, as transparências feitas à mão, os textos datilografados, as provas rodadas em mimeógrafos com tinta “sujenta” estão diminuindo, desaparecendo (ou desapareceram). Atualmente, cada vez mais, usamos o data show, o notebook, os slides em power point, o texto digitado em computador, as provas impressas em impressoras a jato de tinta.

No estudo dos conteúdos das disciplinas, na preparação das aulas, na produção de textos didáticos e de artigos científicos, etc., hoje, tudo é mais fácil. Ao clique no mouse, nos deparamos com uma infinidade de artigos científicos e materiais afins. Não precisamos nos dirigir às bibliotecas físicas (reais), nem comprar uma infinidade de livros.

Poderíamos fazer, uma a uma, a comparação do antigo com o moderno, mas ficaremos em um só exemplo, visto que isto basta. Antigamente, o professor produzia um texto o escrevendo à mão ou o datilografando numa máquina de datilografia. Neste caso, se ele errasse uma frase teria que digitar toda a página na qual a frase estava inserida. Se ele fosse escrever um texto novo e quisesse aproveitar trechos de textos antigos, teria que digitar todo o trecho a ser aproveitado.

Hoje, todos sabem como fazemos.

Então, em relação aos espaços físicos e aos equipamentos utilizados no trabalho docente, o que ocorre é uma “desprecarização” ao invés de uma precarização.

Vamos agora ao tal produtivismo acadêmico. Começando com a opinião do professor Antônio Bosi: “Antes, nós éramos pagos para pensar. Agora, somos pagos para produzir”. (A frase em vermelho não foi digitada. Foi apenas copiada e colada. Poupei tempo e esforço).

O trabalho docente (bem feito) envolve muita reflexão, muito “pensar”. Mas não refletimos sobre o vazio. Portanto, para o professor pensar ele precisa: ler, observar, vivenciar experiências. Sobre esta base, nós refletimos, pensamos. E refletimos e pensamos para quê? Para produzir. Para o professor, esta produção assume múltiplas formas: aulas, textos didáticos, artigos científicos, invenções, inovações, projetos, relatórios, palestras, conferências, atendimento à população, etc.

Então, achar que é uma distorção se exigir que o professor produza é algo que não se concebe que venha de um professor universitário. O professor sempre foi pago para pensar e produzir. O que ocorre é que pouco se pensa e pouco se produz para justificar o montante de recursos que a sociedade investe nas universidades. Antes, pouco caso se fazia se o professor pouco produzia. Agora, isto começa a mudar.

É ruim que se exija um mínimo de produção do docente e que isto seja feito com qualidade e dentro de prazos delimitados? Não, pelo contrário. O setor público, por ser financiado com os tributos pagos por todos e por estes recursos serem insuficientes para atender a todas as demandas da população, muito mais do que o setor privado, deve ter como princípio norteador do seu funcionamento a exigência de um retorno em termos de produção com qualidade e na quantidade e no prazo adequados.

Quantidade e qualidade no que se produz e em um prazo adequado a esta produção, de forma implícita ou explícita, é uma exigência que perpassa todas as atividades humanas e não é algo inerente apenas ao setor privado.

A título de ilustração, diríamos que muitos professores universitários têm empregado(a) doméstico(a) e dele(a) se exige, diariamente, a realização de um conjunto de atividades (quantidade) feitas de forma adequada (qualidade) em um tempo razoável (prazo definido). Quem de nós ficaria satisfeito com um(a) empregado(a) doméstico(a) que fizesse apenas o almoço e que ele fosse servido às 16h00, mesmo que tivesse a melhor qualidade? Este exemplo poderia ser alterado para mostrar que não apenas a qualidade é importante. Quantidade e prazos também o são.

Nós, professores universitários, valorizamos muitos os prazos, a quantidade e a qualidade quando isto nos favorece. É por isto que estamos em mobilização. Queremos melhores salários (quantidade), um plano de carreira (qualidade) e uma data base para o reajuste e que ele seja anual (prazos definidos). Também queremos que nosso salário esteja disponível em nossa conta na data certa. Sem prazos definidos para a realização dos deveres e das obrigações, a vida social seria um caos.

Agora, coloco outra questão. A produção que se exige do professor é algo extenuante? Precariza o trabalho docente? Impõe sofrimento?

A atual carreira docente é composta por diversas classes e dentro de cada classe há diversos níveis. Há duas maneiras de obtermos ascensão nos níveis e nas classes. Por desempenho ou por qualificação (titulação).

Na ascensão por desempenho, que pode ocorrer a cada dois anos, exige-se que atinjamos 140 pontos em cada semestre. Antes, a ascensão era automática. A cada dois anos, independente do que tínhamos feito ou não feito, nossa ascensão estava garantida. Utilizando a afirmação do professor Bosi, bastava pensar. Não precisava produzir. Mas se não pensássemos, não haveria problema, também ascenderíamos.

A ascensão por qualificação ocorre independente de tempo quando concluímos mestrado ou doutorado. Pela qualificação (titulação), além da ascensão recebemos uma gratificação. Ninguém é obrigado a se qualificar (fazer mestrado ou doutorado). Mas como conseqüência por não os fazer não se recebe a gratificação por estas titulações, o que é lógico. Mas se quisermos fazê-los, podemos ser liberados de nossas atividades docentes e receber uma bolsa de estudo. E continuamos recebendo a nossa remuneração com se estivéssemos trabalhando, o que é lógico e justo.

E a pontuação (140 pontos) que devemos obter para a ascensão por desempenho é difícil de consegui-la? Constitui uma precarização do trabalho docente? Ela nos deixa ansiosos e pressionados?

A resolução 27/2011 do Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensão (CONSEPE) traz a relação das atividades docentes e suas respectivas pontuações. A sua análise nos mostra que não precisa trabalhar muito para atingir os 140 pontos. Por exemplo, se o professor ministrar 10 aulas semanais já tem garantidos 100 pontos. Os 40 pontos restantes podem ser conseguidos facilmente com as outras atividades. Desconheço um professor que não tenha obtido esta pontuação mínima. Até aquele professor que você quase não vê na universidade não tem dificuldade para alcançá-la.

Além de atingir 140 pontos, o professor precisa dar um mínimo de oito aulas por semana (1,6 aula por dia) e também realizar atividades de extensão ou pesquisa, devidamente pontuadas. Como se vê, não é uma tarefa hercúlea. Portanto, dizer que o professor está assoberbado com tarefas que constituem o produtivismo acadêmico é distorcer os fatos.

No entanto, há um pequeno percentual de professores que trabalham muito, que levam as universidades nas costas, enquanto a maioria leva vida mansa. Eles fazem coisas que não deveriam devido ao fato de a maioria dos professores não desempenharem a contento as suas obrigações. Estes professores laboriosos podem estar adoecendo devido à sobrecarga de trabalho repassada por seus colegas “preguiçosos”. Então, a causa do adoecimento não é o produtivismo acadêmico e sim o “preguicismo” acadêmico.

Se o trabalho docente não é precário, nem extenuante, como se explica o resultado da pesquisa da professora Cristina Borsoi?

O adoecimento é causado por múltiplos fatores: biológicos, sociais, econômicos, culturais, laborais, psicológicos, etc. Entre os fatores biológicos, destacam-se a predisposição genética, a idade, o sexo, etc. Levando em consideração a idade média da categoria docente, o fato de os professores terem mais acesso ao atendimento médico por disporem, na sua maioria, de planos de saúde e por eles não terem dificuldade em arranjar tempo para a consulta média, não há nada de anormal que 81, 3 % deles tenha procurado o médico, nos últimos dois anos. Certamente, resultado parecido seria encontrado em outras categorias profissionais, com estas caracteristicas.

O trabalho docente, como qualquer tipo de trabalho, impacta positivamente ou negativamente a saúde do indivíduo que o desenvolve. No entanto, desconsiderar outros fatores de adoecimento relacionados ao docente é uma manipulação grosseira de dados (fraude intelectual) ou o desconhecimento de regras básicas do método científico (despreparo acadêmico). Uma e outra são coisas gravíssimas, no meio acadêmico.

O trabalho docente pode, eventualmente, adoecer o professor, mas o seu adoecimento pode ser provocado por uma série de outros fatores, como: problemas familiares, estilo de vida inadequado, sobrepeso/obesidade, tabagismo, alcoolismo, estresse do trânsito, medo da violência, predisposição genética, expectativas não satisfeitas, etc. Então, é necessário isolar estas variáveis de confundimento.

Além das facilidades acima expostas, o professor universitário tem direito a férias de 45 dias (um privilégio inaceitável, considerando que o trabalhador comum tem férias de 30 dias), organiza seu horário de trabalho segundo sua conveniência, não precisa assinar ponto, não é cobrado pelo chefe e no recesso escolar (férias dos alunos) quase que não trabalha. Quem duvidar disto que busque professor na universidade neste período.

Então, se tem professor adoecendo por excesso de trabalho, salvo aqueles acima mencionados, certamente este trabalho não é realizado dentro das universidades, mas fora delas. Se formos às clinicas de médicos, dentistas e outros profissionais de saúde; aos escritórios de advocacia; às construtoras, aos jornais, emissoras de rádios e televisão; às empresas de consultorias; às faculdades e às universidades particulares lá encontraremos muitos professores universitários trabalhando freneticamente, muitos deles contratados nas universidades pelo regime de dedicação exclusiva. O fato de ser professor universitário facilita o trabalho na iniciativa privada

Assim, têm mesmo é que ir ao médico!

Em resumo, penso o seguinte:

Devemos ser bem remunerados;

Devemos produzir muito mais do que produzimos, com qualidade e com prazos adequadamente cumpridos;

Devemos ser avaliados sistematicamente, principalmente na atividade de ensino para que nossos alunos digam que tipo de aula nós estamos ministrando;

E, por fim, suprema heresia, acho que parte de nossa remuneração deve ser atrelada ao nosso desempenho.

E se me permitem um momento de indignação, diria que discursar e dizer palavras de ordem é muito fácil. Difícil e necessário é ter uma prática docente tendo em vista o interesse coletivo. Tomar atitudes radicais que só afetam os mais necessitados e não nos prejudicam não é uma atitude corajosa. É o seu oposto.



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